De manhã, ao fundo da rua, ruge o comboio num timbre assassino
Em peregrinação fiel, os passageiros dirigem-se para um apeadeiro decorado com indecorosa arte urbana. A tinta é fraca, os motivos não o são. As cores estão esbatidas na parede branca – tentavam dar alguma (falsa) vivacidade a este lugar ermo. Eles, vagarosamente, vão se aproximando. Parecem indignos já que a sonolência, o cansaço, a moleza da manhã não consente que ergam a ainda pesada cabeça. Cada passo pesa na manhã que se inicia morosa, difícil. Diferentes caminhos têm a percorrer estes seres ainda "tombantes". Interesseiramente, juntam-se neste local nada confortável antes da separação necessária. Cada um conhece os costumes dos outros. Tudo sabem do Sem Nome que está mesmo ao seu lado, do outro Sem Nome que se encontra à sua frente sabem ainda mais que o tudo. Mesquinhez. Nada significam uns para os outros. São apenas vultos diferenciados de quem se sabe tudo indistintamente. Não importam. Não significam. É um universo desmedidamente impessoal.
Sente-se algum trepidar no chão que sustenta toda esta mentira. É o tubo amarelado que se aproxima à hora certa, exacta. Não falha. No fundo da linha nota-se o afogadilho do comboio. Levantam-se todos. Estão indiferentes à marca que mais um dia deixam no estéril banco de espera matinal. Não os aflige. Este assento comunitário une aqueles que aí se sentam; dá oportunidade de descoberta mútua, o que não interessa a ninguém. Também já não importa. Eis que todos se apresentam numa massa informe diante da imponente e insuperável linha amarela marcada no chão. Chega-se o comboio. Impertinentes, todos ajustam as vestes que continuam enrodilhadas pela demasia de pruridos. Ouve-se o pousar da máquina. Abrem-se as portas dando livre-trânsito para uma rotina que cansa, desgasta. Os que chegados à linha esperavam, despedem-se do ambiente gélido e arrogante cá de fora. Fazem-no de costas voltas – máxima mostra de desapego. Entram. Misturam-se. Homogeneízam-se imbuídos pelo medo da possível cumplicidade com Os Outros.
Foram.
O meu passa às e 24.
7 comentários:
Sei que não preciso de dizer nada sobre este texto...já sabes o que eu diria...! *
"Este assento comunitário une aqueles que aí se sentam; dá oportunidade de descoberta mútua, o que não interessa a ninguém." Achei interessante esta "passagem", porque fez-me lembrar os meus pensamentos no Metropolitano de Lisboa. Engraçado como quando eu me sento nos assentos da carruagem, tenho exactamente este pensamento de: "Uhmm, quantos terão sido? Quantas pessoas se terao flatulado aqui hun?" Ate que me sento e digo p'ra mim: "Whatever! Pior seria se tivesse esta semana um teste de matematica, tipo probabilidades ou assim...." LOL
Nao!?
Epa, sabes que hoje estou cheia de sono! Prometo que quando "postares" alguma coisa sobre a family frost sai-me um Bom Comentario. Ok, AMIGO? lol
Enfim...So p'ra deixar aqui registado que gosto mto de ti =) *
Sarai
que bem escrito, Pedro!
antiga esta musica! é a mnha preferida deles (rediohead)! =)
um beijO*
Meu és tão grande...quem me dera a mim ter cabeçinha para me lembrar de um dia escrever um post assim no meu blog...vai mas é pa escritor!!!
Abraço
odeio ir de manha para coimbra no comboio, tendo como barulho de fundo as "velhas beatas" a falar em vida alheia...isto acontece porque vao todas para os HUC,ser medicadas das doenças que nao têm!!!
ora, no meu caso, seria preferivel viver numa cidade grande onde ninguem se conhece e nao teria de as ouvir falar...e ai iria acontecer o que descreves!!
mas prefiro ter de as ouvir lol a vida nao se torna tao cinzenta como descreves, aqui as pessoas ate falam, mais que nao seja da vida dos outros lol(sempre da para rir com as velhas)...e o que descreves é o que na realidade acontece nas grandes cidades, porque cada um segue o seu caminho, o resto é paisagem!!(é a vida que têm, e têm de a aguentar)
Vai para a politica,tens de mudar o rumo a isto pah
=P
beijinho
Afinal também tens momentos de reflexão. Quem diria...!
O meu comboio também passa às e 24! (Menos quando é às e 34.) Escreves bem, mas isso já tu sabes.
Boa semana*
Eh la, estou impressionada mister!! Nao te conhecia esta faceta de escritor...
Desafio-te a postares sobre o nosso clube de mata velhos com cores giras e o meu com volante a direita...
Ja agora parabens pela musica. Foi pai o unico blog em k entrei e n tive de tirar o auricular...
Beijos grnds
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